quarta-feira, 25 de abril de 2012

Lídia

Ele fechou a porta e eu soube aí que era a deixa pra que eu pudesse me enfiar de volta em meio às cobertas, abraçar o travesseiro e chorar todas as lágrimas que houvessem dentro de mim. Ouvi o barulho do portão bater e não tive coragem de ver ele partir. Não tive coragem de ver a cena que eu temia ver há tanto tempo. Levantei a cabeça do travesseiro e vi a aliança ali, sozinha, brilhando tanto com a luz que entrava pela janela... Não pude cumprir minha promessa. Não posso deixar de sofrer por algo que lutei tanto. Lutei tanto pra tê-lo, pra fazê-lo o homem mais feliz que poderia existir e não fui capaz. Também sei que tenho meus defeitos, isso é óbvio, quem não os tem? Mas a partir do momento em que o vi sofrer pelos meus defeitos, os tentei superar. E não consegui. Choro sim, e não tenho vergonha alguma de admitir. Choro porque um buraco se abriu no meu peito ao ouvir a resposta afirmativa pra minha pergunta. Choro porque quero. E não é que eu precise dele, mas ele me faz feliz. E quando a gente gosta de alguém, quando alguém nos faz feliz, nós gostamos de ter a pessoa por perto, não é verdade? Pelo menos comigo é assim...
E agora estou aqui, tranquila, sabendo que fiz a minha parte e esperando, rezando para que dê tudo certo, pra que Deus mostre os caminhos certos para quem quiser ver... As palavras que foram ditas não saem da minha cabeça e a dor vai ser difícil de tirar do coração, mas a esperança é a última que morre. E sabe, o rio corre, o tempo passa e não estamos de mãos enlaçadas. É o que o meu poema preferido nessa vida diz. A vida passa e não fica, nada deixa e nunca regressa. A vida é muito curta para que a gente sofra por problemas que nem temos ainda. Queria mais era viver sem pensar no amanhã e ser feliz pensando no hoje, no agora.
Passaram-se alguns dias sem que eu tocasse naquelas caixas de remédio que no fundo no fundo nunca me fizeram tão bem quanto ele me fez. Elas vão (algum dia, quando eu tiver certeza) pro lixo, mas ele vai (não importa o que aconteça) continuar comigo pra sempre, no meu coração.

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio. 
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos 
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas. 
(Enlacemos as mãos.) 

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida 
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa, 
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado, 
Mais longe que os deuses. 

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos. 
Quer gozemos, quer nao gozemos, passamos como o rio. 
Mais vale saber passar silenciosamente 
E sem desassosegos grandes. 

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz, 
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos, 
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria, 
E sempre iria ter ao mar. 

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos, 
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias, 
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro 
Ouvindo correr o rio e vendo-o. 

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as 
No colo, e que o seu perfume suavize o momento - 
Este momento em que sossegadamente nao cremos em nada, 
Pagãos inocentes da decadência. 

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois 
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova, 
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos 
Nem fomos mais do que crianças. 

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio, 
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti. 
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio, 
Pagã triste e com flores no regaço.

Ricardo Reis